Check-up: quando fazer?

Prevenir significa, grosso modo, agir ou comportar-se no presente para evitar eventos indesejáveis no futuro. O rastreamento de doenças consiste na aplicação de uma sequência de testes biomédicos em pessoas assintomáticas com o objetivo de reduzir a morbimortalidade nesses grupos e se enquadra como uma prevenção secundária.

 A prevenção primária é a ação preventiva que ocorre antes do adoecimento e visa evitá-lo ou atenuá-lo.

 A prevenção secundária visa detectar o adoecimento precocemente para tratá-lo com mais efetividade, maior brevidade, menor sofrimento e menores danos. Atualmente, todavia, tem-se preferido cada vez mais falar em ‘diagnóstico oportuno’* em vez de detecção precoce, porque a diagnose precoce nem sempre é vantajosa para o paciente.

*Diagnóstico oportuno implica uma abordagem mais centrada na pessoa, visando benefícios e evitando danos. Para isso, é necessário conhecimento técnico-científico baseado em evidências atualizado e relação profissional de saúde-paciente ao longo do tempo para tomada de decisão compartilhada baseada em discussão sobre limites da medicina, benefícios e danos potenciais das intervenções diagnósticas e terapêuticas propostas.

A prevenção terciária é a ação realizada após o adoecimento e seus danos/lesões estarem já instalados. A prevenção terciária se confunde com o próprio cuidado clínico aos já adoecidos.

A prevenção quaternária (P4) é a ação visando evitar danos iatrogênicos e medicalização excessiva decorrentes do intervencionismo biomédico, oferecendo alternativas eticamente aceitáveis a pessoas e situações com maior risco de intervenções desnecessárias, hipermedicalização e danos iatrogênicos.

O profissional de saúde te recomendou um exame, medicação ou procedimento. Será que é realmente necessário? Quais são os riscos? Existem outras opções? O que acontecerá se eu não seguir essa recomendação? Devemos sempre exigir transparência na informação aos profissionais de saúde, incluindo clareza quanto aos benefícios e danos conhecidos. 

Países como Canadá, Reino Unido e  Holanda já possuem programas de rastreamento em que os exames são solicitados de uma forma sistemática para uma população de risco, dentro de um programa estruturado, visando. Isso se dá porque todos os exames de rastreio biomédico tem características operacionais que nunca são 100% e permitem margem de erro : a sensibilidade e e a especificidade. Por exemplo, a baixa prevalência das doenças nas pessoas assintomáticas, mesmo com um teste com alta sensibilidade e especificidade, faz com que a sua performance nos rastreamentos seja prejudicada, reduzindo seu valor preditivo positivo, gerando grandes proporções de falsos-positivos. 

A sensibilidade é a capacidade de um exame ser positivo quando testado entre as pessoas previamente doentes (verdadeiros positivos). Desse modo, um exame com grande sensibilidade é importante para detectar o maior número possível de indivíduos com a patologia. Na prática, um exame altamente sensível, quando negativo, descarta a patologia rastreada.

A especificidade é a capacidade de um exame ser negativo quando testado entre as pessoas previamente sadias (verdadeiros negativos).Um exame com grande especificidade é importante para excluir dos resultados positivos as pessoas saudáveis. Na prática, um exame altamente específico quando positivo é útil para confirmar a patologia rastreada.

O VPP traduz a proporção das pessoas com exame positivo que são portadores da patologia e dependem da prevalência da doença na população rastreada

O VPN refere-se à proporção das pessoas com exame negativo que não têm a doença e  dependem da prevalência da doença na população rastreada

A figura representa o fluxo dos rastreamentos  e as situações possíveis deles decorrentes:

  1.  rastreamento negativos (bonecos verdes que passam pela peneira);
  2.  situações limítrofes, que requerem monitoramento mais de perto e comum repetição mais frequente do rastreamento (boneco roxo);
  3. pessoas com rastreamento negativo que adoecem (situação do falso negativo e dos que adoecem entre um rastreamento e outro (boneco marcado vermelho); rastreamento positivo (bonecos laranjas, que são submetidos a testes adicionais as três flechas laranjas pequenas).

Os testes adicionais podem gerar por sua vez três situações:
      d1) confirmação diagnóstica, que demandará tratamento;     
     d2) negativação diagnóstica (no caso dos falsos-positivos, que são frequentes);
     d3) condições limítrofes, que demandarão seguimento e suporte, comumente com repetição de testes adicionais.

Complexo não é?!

No Brasil, na grande maioria das vezes realizamos rastreamento sem um programa adequado e organizado, isso leva a uma falta de controle de qualidade em relação às indicações dos testes, ao modo de rastrear, ao acesso rápido ao exame de rastreio, à complementação diagnóstica e ao tratamento. Assim, os programas não organizados de rastreamento têm potencial iatrogênico maior quando comparados com os programas organizados. As pesquisas sobre os rastreamentos, sobretudo de câncer de próstata, tireóide e de mama, vêm mostrando que grande parte dos diagnósticos gerados pelos rastreamentos não organizados não teriam consequências clínicas, sendo, portanto, sobrediagnósticos.

A HAS  deve ser rastreada em todas as pessoas ≥ 18 anos. É uma recomendação com evidências robustas (GRAU DERECOMENDAÇÃO A PELO USPSTF) 

O US Preventive Services Task Force recomenda MAPA (Monitorização ambulatorial da pressão arterial) de rotina antes do diagnóstico de hipertensão. Sendo aceitável a MRPA (monitorização residencial da pressão arterial) se MAPA não disponível. A MAPA e a MRPA são também indicadas para diagnóstico diferencial de HAS do Jaleco Branco.
O diagnóstico se dá quando a PA ≥ 140/90  é confirmada em pelo menos 3 ocasiões distintas espaçadas em ≥ 1 semana cada. Se foi utilizado MAPA ou MRPA, o diagnóstico de HAS é estabelecido com base no resultado da média de PA (PIPER, 2014). O diagnóstico de HAS não deve ser baseado em uma medida isolada.

O DM tipo 2 é um fator de risco cardiovascular que pode levar a cegueira, amputação de membros, falência renal e doenças cardiovasculares. O rastreamento pode ser justificado, pois mudanças de estilo de vida e, em alguns casos, o uso de metformina, podem reduzir a velocidade de progressão e danos do diabetes em pessoas assintomáticas, além de os testes usados serem confiáveis (BRASIL, 2010; MCCULLOCH; HAYWARD, 2016; PIPPITT, 2016). As recomendações de rastreamento variam entre diversos guidelines.

A avaliação oportuna de risco cardiovascular – história clínica e de exames laboratoriais – lipídeos, glicemia e creatinina – deve ser considerada em todos os indivíduos com idade ≥ 40 anos e em adultos de qualquer idade com história de Doença Cardiovascular em parente de primeiro grau do sexo masculino antes dos 50 anos ou feminino antes dos 60 anos, história de dislipidemia familiar, fumantes, portadores de hipertensão arterial, diabetes e obesidade (índice de massa corporal [IMC] ≥ 30 kg/m²). Além disso, indagação e investigação sobre os principais fatores de risco comportamentais – tabagismo, atividade física, alimentação saudável, e suas decorrências em termos de peso, trajetória de peso e PA – devem ser consideradas em adultos entre 20 e 39 anos de idade.
Não existem evidências a respeito da idade indicada para suspender o rastreamento de doenças cardiovasculares, e essa decisão deve ser tomada de maneira individualizada para cada paciente.

Em pacientes sem doença cardiovascular estabelecida, o risco é bastante heterogêneo. Para estimá-lo, recomenda-se aplicar escores de predição de risco, apresentados em tabelas de estimativas de risco e calculadoras clínicas interativas disponíveis on-line ou como aplicativos em dispositivos móveis.

Sugiro a calculadora de Risco Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia:

http://departamentos.cardiol.br/sbc-da/2015/calculadoraer2017/etapa1.html

A calculadora de Risco Cardiovascular mais utilizado no Brasil é o disponibilizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia: http://departamentos.cardiol.br/sbc-da/2015/CALCULADORAER2017/etapa1.html

A obesidade é um fator de risco cardiovascular modificável que pode prevenir seus pacientes de desenvolverem Doenças Cardiovasculares e Acidente Vascular Cerebral, além de outros fatores de RCV como hipertensão arterial e DM II. Também está associada a uma série de tipos de câncer, apneia do sono e redução da qualidade de vida (BRASIL, 2010). Sempre que oportuno, devemos calcular o IMC de todos os seus pacientes adultos. 

Existem controvérsias sobre os benefícios do rastreamento populacional de osteoporose.

A recomendação prevalente é de realização em mulheres acima de 65 anos ou abaixo de 65 se pós-menopausa ou com presença de fatores de risco.

Os principais fatores de risco são: Tabagismo, uso prolongado de Corticoide, Fratura prévia, baixo peso (<58kg), Artrite Reumatoide e presença de história familiar.

Não há evidências sobre o rastreamento rotineiro de osteoporose em homens (KLEEREKOPER, 2017).

Por que rastrear?

Diagnosticar e tratar precocemente assintomáticos com HIV reduz o risco de desenvolvimento de AIDS e sua morbimortalidade. Além disso, se o paciente tratado alcançar uma carga viral indetectável ele deixa de transmitir o HIV. (USPSTF, 2013)

Os casos de sífilis têm aumentado consideravelmente nos últimos anos, principalmente da sífilis na gestação e a sífilis congênita (BRASIL, 2015c). Diagnosticar e tratar reduz complicações, sua transmissão e, pela sua associação com maior risco de coinfecção com HIV, também reduz a transmissão de HIV (CANTOR, 2016). Rastrear e tratar a sífilis durante a gestação é de extrema importância para evitar a transmissão vertical e as possíveis complicações da sífilis congênita: prematuridade, baixo peso ao nascer, hidropsia fetal e morte intrauterina (ASSESSMENT, 2009).

Identificar pacientes assintomáticos com hepatite B crônica pode ajudar aqueles que se beneficiariam do manejo precoce da doença, além de reduzir comportamentos que podem levar a uma rápida progressão para doença hepática. O rastreamento pode reduzir a transmissão vertical e identificar contatos para serem rastreados também (LEFEVRE, 2014). Além disso, identificar pacientes que não foram previamente expostos à hepatite B é uma oportunidade para vacinação (LEFEVRE, 2014).

O rastreamento de hepatite B na gestação e a profilaxia do recém-nascido com imunoglobulina reduz substancialmente as taxas de transmissão materno-fetale o risco de infecção crônica do bebê (LIN; VICKERY, 2009). Apesar desses resultados positivos do rastreamento, não são comprovados benefícios na morbimortalidade e na transmissão da hepatite B ao se rastrear pessoas assintomáticas não gestantes (LEFEVRE, 2014).

O rastreamento de Hepatite C pode identificar pacientes em estágio inicial dadoença antes deles desenvolverem danos hepáticos sérios e irreversíveis. Apesar de não existirem evidências diretas de que o rastreio reduza morbimortalidade, o diagnóstico precoce da infecção assintomática por hepatite C melhora desfechos clínicos e reduz risco de transmissão ao discutir formas de preveni-la. Além disso, os novos e mais eficazes regimes de tratamento da hepatite C somados ao rastreamento com identificação precoce da infecção são uma aposta na diminuição de mortalidade geral e relacionada à doença hepática (carcinoma) (CHOU, 2013).

A infecção por clamídia e gonorreia é umas das mais frequentes ISTs e na grande maioria das vezes é assintomática. Mulheres com infecção assintomática podem ter complicações sérias e transmitir para suas parcerias. Entre as complicações está: infertilidade, doença inflamatória pélvica (DIP), dor pélvica e gravidez ectópica (NELSON, 2014; BRASIL, 2015c). O rastreamento tem potencial para identificar e tratar mulheres infectadas, reduzindo as complicações (NELSON, 2014).

Programa organizado de rastreamento: quem, quando e como 

O rastreamento  de HIV é indicado para todos dos 15 aos 65 anos,(< 15 anos ou > 65 anos em risco também devem ser rastreados) e todas as  gestantes (Grau de recomendação A pelo USPSTF) (USPSTF, 2013). O rastreamento pode ser feito com testes rápidos ou exames de laboratório.O intervalo deve ser anual para pacientes de mais alto risco, cada 3-5 anos para os demais ou em intervalos menores para os em risco, ou pode não ser necessário repetir se não tiver comportamento de risco após o 1o teste (USPSTF, 2013).

Todos seus pacientes assintomáticos que estejam em risco para sífilis devem ser rastreados assim como todas as pacientes gestantes (GRAU DE RECOMENDAÇÃO PELO USPSTF) (USPSTF, 2009). As gestantes devem realizar o rastreio no primeiro e terceiro trimestre. O intervalo de rastreamento deve ser, pelo menos, anual para pacientes de mais alto risco (HIV, HSH – Homens que fazem Sexo com Homens e UDI – Usuários de Drogas Injetáveis). Não há um intervalo conhecido como mais adequado. Vai depender dos comportamentos sexuais de risco do paciente (BRASIL, 2015c).

O rastreamento de hepatite B é indicado para todos os pacientes de alto risco para infecção por hepatite B (GRAU DE RECOMENDAÇÃO B PELO USPSTF) (LEFEVRE, 2014) assim como todas as pacientes gestantes na sua primeira consulta primeira consulta e no terceiro trimestre (GRAU DE RECOMENDAÇÃO A PELO USPSTF) (LIN; VICKERY, 2009).As pessoas em alto risco para infecção por hepatite B são HSH – homens que fazem sexo com homens, UDI – Usuários de drogas injetáveis, pessoas vivendo com HIV e contatos domiciliares de pacientes com hepatite B. Pode-se usar o teste rápido ou o teste laboratorial de HBsAg. Um teste rápido deve ser confirmado com um teste laboratorial. Um HBsAg reagente deve ser analisado em conjunto com o resultado do Anti-HBc e Anti-HBs para definir se infecção aguda, crônica e imunidade (BRASIL, 2015b).

O rastreamento de hepatite C deve ser oferecido a todos os pacientes com risco para infecção por hepatite C (Grau de Recomendação B pelo USPSTF) (CHOU, 2013). O principal fator de risco para transmissão de hepatite C é o uso atual ou passado de drogas injetáveis. Outros são uso de drogas inaladas (como cocaína), exposições percutâneas, hemodiálise, tatuagens e piercings. A exposição sexual de risco, apesar de menores chances de transmissão, também é um fator de risco (CHOU, 2013). Também ofereça investigar para: nascidos antes de 1975, receptores de transfusão de sangue e hemoderivados ou transplantes de órgãos antes de 1993, mãe portadora de hepatite C, contatos domiciliares de portadores, pacientes em hemodiálise (BRASIL, 2015b). O intervalo entre os rastreios vai depender se a pessoa está ou não continuamente se expondo a riscos. Não há recomendações precisas de periodicidade.O rastreio é feito pelo anti-HCV (teste rápido ou laboratorial), que devem ser confirmado com RNA para identificar portadores de hepatite C crônica.

Todas as mulheres ≤ 24 anos e as com > 24 anos que tenham fatores de risco devem ser rastreadas (GRAU DE RECOMENDAÇÃO B PELO USPSTF): comunidades com alta prevalência, história prévia de IST, novos ou múltiplos parceiros sexuais, uso irregular de preservativo, profissionais do sexo ou uso de drogas injetáveis (NELSON, 2014), HSH – Homens que fazem Sexo com Homens (SOKOL, 2016). O intervalo de rastreamento não está bem estabelecido. Sugere-se repetir se o paciente tem um comportamento sexual de risco (NELSON, 2014). O rastreio deve ser realizado por testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAATs), que detectam pequenas amostras de DNA ou RNA, que podem ser realizados com swabs endocervical e uretral ou em amostras de urina, possibilitando que a coleta seja feita  pela própria paciente (NELSON, 2014).

 

Por que rastrear?

É o câncer mais frequente e de maior mortalidade entre as mulheres. É a primeira causa de morte por câncer em países em desenvolvimento e a segunda em países desenvolvidos (INCA, 2015). Uma revisão robusta demonstrou que quando o rastreamento é realizado, com exames de qualidade e acesso oportuno e ágil ao tratamento mais adequado, se poderia prevenir 1 (uma) morte por câncer de mama a cada 2.000 mulheres rastreadas durante 10 anos. Por outro lado, nenhuma morte em geral ou por outro tipo de câncer é evitada e 10 mulheres seriam tratadas desnecessariamente, com uma parte ou toda mama retirada, muitas vezes realizando quimioterapia e radioterapia, e tendo que conviver por toda a vida acreditando que tinha câncer (GØTZSCHE; JØRGENSEN, 2013).

Riscos de Sobrediagnóstico
Existem dúvidas sobre o real benefício do seu rastreamento.
A estimativa é de que a cada 2 mil mulheres rastreadas por 10 anos, 200 experimentarão os malefícios do falso-positivo e apenas uma mulher terá sua vida salva pelo rastreamento(GOTZSCHE et al., 2013).  Além disso, a chance de um resultado falso- positivo aumenta progressivamente com a repetição dos rastreamentos ao longo da vida, o que ocorre sistematicamente. Uma revisão Cochrane sobre o rastreamento do câncer de  mama concluiu que a chance acumulada de um falso-positivo em 10 mamografias variou de 20 a 60% (GOTZSCHE; JORGENSEN, 2013).

Recentemente um estudo demonstrou que, aparentemente, a redução na mortalidade por câncer de mama foi causada por melhorias no tratamento do câncer e não pela detecção precoce de tumores de mama (MAYOR, 2016). Outro estudo, na Dinamarca, demonstrou que os 17 anos de rastreamento do câncer de mama por meio da mamografia não reduziu a incidência de tumores avançados, aumentou a incidência de tumores não avançados e carcinoma ductal in situ, sendo que provavelmente 1 em 3 tumores detectados em mulheres entre 50 a 69 anos foi sobrediagnosticado, ou seja, a mamografia detectou tumores menores que nunca afetariam a vida da mulher. Concluiu que o sobrediagnóstico deve ser cada vez mais considerado no rastreamento, informado ao paciente e estudado (WISE, 2017).

Programa organizado de rastreamento: quem, quando e como 

Existem algumas controvérsias em relação à faixa etária indicada para ofertar o rastreamento. O INCA e o Ministério da Saúde, com base nas evidências mais robustas, recomendam  mamografia a cada 2 anos para todas as suas pacientes entre 50 e 69 anos (BRASIL, 2015a; BRASIL, 2016). A mamografia é o exame mais estudado e o único avaliado nos estudos que demonstram alguma redução de mortalidade no rastreamento (ELMOR, 2016). O rastreamento com ressonância nuclear magnética das mamas não é recomendado (CTFPHC, 2011; BRASIL, 2015a).

Para as mulheres que estão no grupo de alto risco para câncer de mama (história familiar de câncer de mama em parentes de primeiro grau – mãe, irmã ou filha) o USPSTF considera indicar mamografia anual a partir dos 40 anos, porém com ausência de evidências robustas sobre os riscos e benefícios (NELSON, 2016).

O câncer de mama em mulheres jovens tem características clínicas e epidemiológicas diferentes das observadas em mulheres mais velhas, sendo mais agressivo e com uma alta taxa de presença da mutação genética (BRCA1 e BRCA2).

Uso de silicone não traz diferenças em relação às recomendações de como e quando rastrear. Não há diferenças em relação ao exame clínico das mamas (SOF, 2013).

Sinais de alerta para câncer de mama

Qualquer nódulo mamário em mulheres com mais de 50 anos

• Nódulo mamário em mulheres com mais de 30 anos, que persistem por mais de um ciclo menstrual

• Nódulo mamário de consistência endurecida e fixo ou que vem aumentando de tamanho, qualquer idade

• Descarga papilar sanguinolenta unilateral

• Lesão eczematosa da pele não explicada que não responde a tratamentos tópicos

• Presença de linfadenopatia axilar não explicada

• Aumento progressivo da mama com a presença de sinais de edema, como pele com aspecto de casca de laranja

• Retração na pele da mama

• Mudança no formato do mamilo

• Homens com mais de 50 anos com tumoração palpável unilateral

https://www.youtube.com/watch?v=XvdEj9d7XDU.
Entrevista de cinco minutos sobre o rastreamento do câncer de mama com Peter GOTZSCHE, um dos maiores pesquisadores mundiais sobre o tema

Por que rastrear?

O câncer de colo de uterino é o quarto mais prevalente entre as mulheres brasileiras e programas organizados de rastreamento podem reduzir a morbimortalidade (INCA, 2015). Tem grande potencial de prevenção e cura. (BRASIL, 2016).

Programa organizado de rastreamento: quem, quando e como 

Um programa organizado de rastreamento, com cobertura mínima de 80%, reduz de 60-90% os casos de câncer de colo de útero nas pacientes (BRASIL, 2010). O método utilizado, o exame citopatológico do colo do útero (Papanicolau), é relativamente simples e amplamente disponível (BRASIL, 2010).

A coleta do citopatológico deve ser iniciado para todas as pacientes sexualmente ativas a partir dos 25 anos. Inicialmente anual, após 2 exames negativas, os demais devem ser realizados a cada 3 anos. Se HIV positivo, o rastreio passa a ser semestral inicialmente e anualmente após 2 negativos.
Após os 64 anos, não há necessidade de novas coletas se não houver história de doença neoplásica prévia de doença neoplásica e tiver 2 exames negativos nos últimos 5 anos.  Se histerectomia total ( sem preservação do colo) e sem história de lesões cervicais de alto grau, pode-se considerar interromper o rastreio após 2 negativos. 

Existem evidências robustas que orientam contra o rastreamento de câncer de ovário (MOYER, 2012; CARLSON, 2017). Rastrear mulheres assintomáticas, seja na pré-menopausa ou na menopausa, usando ultrassonografia pélvica e/ou exame laboratorial do antígeno tumoral CA-125 não diminui mortalidade por câncer de ovário.

O rastreamento leva a aproximadamente 10% de falso-positivos, sendo que 1/3 das mulheres com falso-positivos sofrem a retirada desnecessária do(s) ovário(s) com complicações pelo procedimento cirúrgico (o índice gira em torno de 21 complicações para cada 100 cirurgias) (MOYER, 2012; CARLSON, 2017).

O câncer de testículo afeta principalmente homens entre 20-35 anos, representando cerca de 1% dos cânceres no homem. Seu prognóstico é normalmente bom, com boas chances de cura (LIN; SHARANGPANI, 2010; ILIC; MISSO, 2011).

Não existem evidências para o rastreamento do câncer de testículo, seja por meio do exame físico realizado pelo profissional, seja pelo autoexame realizado pelo paciente. O rastreamento pode levar a resultados falso-positivos que levam a exames desnecessários e ansiedade do paciente por conviver com uma alteração que poderia ter sido um câncer (LIN; SHARANGPANI, 2010; ILIC; MISSO, 2011).

Por que rastrear?

O câncer de próstata é o segundo câncer mais comum em homens. A sua incidência vem aumentando no Brasil, tanto por alterações no contexto social, econômico e de saúde com aumento da expectativa de vida (que pode levar a um aumento de 60% em relação aos casos), quanto pela melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS e também pela disseminação do rastreamento levando ao sobrediagnóstico de câncer de próstata.

O câncer de próstata é considerado um câncer de bom prognóstico se diagnosticado e tratado de forma oportuna (INCA, 2015). 

Riscos de Sobrediagnóstico

O rastreamento de câncer de próstata usando toque retal e/ou dosagem sérica do PSA vem sendo motivo de diversos debates no país e no mundo. Não há evidências robustas de que os benefícios do rastreio de rotina se sobreponham aos riscos (BRASIL, 2010). Não há efeitos significativos de rastrear câncer de próstata na redução absoluta da mortalidade por essa doença ou na mortalidade em geral. A ações para controlar a doença devem focar na prevenção primária e diagnóstico oportuno (INCA, 2015; BELL, 2014;LIN, 2011).

O Ministério da Saúde, assim como a Organização Mundial da Saúde (OMS), não recomenda que se realize o rastreamento do câncer de próstata, ou seja, não é indicado que homens sem sinais ou sintomas façam exames. No caso do câncer de próstata, apesar de campanhas como o Novembro Azul reforçarem essencialmente seu efeito benéfico, o balanço danos vs. benefícios claramente pende para os danos (USPSTF, 2017). Os danos iatrogênicos incluem infertilidade vitalícia, incontinência urinária e impotência, que acometem grandes proporções dos homens sobretratados, aproximadamente 20 sobrediagnosticados para cada beneficiado (ILLICH et al., 2013; WELCH et al., 2009). Homenssaudáveis são expostos a possíveis complicações de biópsias de próstata, inclusive com internações (ILLICH et al., 2013).

Programa organizado de rastreamento: quem, quando e como 

A decisão de rastrear ou não deve se basear nas preferências do paciente, possíveis desfechos e prognósticos (HOFFMAN, 2017; BMJ BEST PRACTICE, 2016a). Pra isso, nós profissionais de saúde precisamos orientar sobre os sintomas de alerta: necessidade de urinar com maior frequência principalmente à noite, dificuldade para iniciar a micção, dor ao urinar, jato urinário fraco, sensação de bexiga cheia após urinar. Esses sintomas são relacionados a alguma patologia prostática, na maioria das vezes benigna. Se a decisão for rastrear, solicite PSA (os estudos não encontraram diferenças ao associar toque retal com PSA) a cada 2-4 anos (HOFFMAN, 2017).

Dr. Robert Janett dá sua opinião sobre a tradicional campanha do Novembro Azul e fala sobre o rastreamento do câncer de próstata, baseado nas atuais evidências científicas.
https://www.youtube.com/watch?v=jucamyyNsmY

Não existem evidências consistentes que demonstrem que rastrear câncer de pele (procurar deliberadamente por alterações da pele de seu paciente sem queixas num exame de rotina) reduza morbimortalidade por esse câncer ou diagnostique precocemente melanoma ou câncer não melanoma (BRASIL, 2010; WERNLI, 2015).

Por que rastrear?

O câncer de cólon e reto (colorretal) em países desenvolvidos chega a ser o terceiro câncer mais comum em homens e o segundo em mulheres (INCA, 2015). Esse câncer é considerado uma ‘doença do estilo de vida’, associado ao consumo excessivo de carne vermelha e processada, baixo consumo de frutas e verduras, excesso de peso, sedentarismo, consumo de álcool e tabaco (INCA, 2015).

Quanto mais cedo diagnosticado, maior a sobrevida. Pode ser detectado por lesões benignas – pólipos adenomatosos que demoram de 10-15 anos para evoluírem para câncer, sendo possível prevenir o câncer ao se retirar os pólipos. Detectar estágio inicial e tratar pode levar a cura e evitar a morte de 90% dos pacientes (BRASIL, 2010). Existe evidência de redução de 25% do risco relativo de mortalidade por câncer de cólon e reto em paciente > 50 anos que realizam o rastreamento com sangue oculto em fezes. A estimativa é que o rastreamento possa prevenir 1 em 6 mortes por câncer colorretal, porém não há redução da mortalidade geral (por todas as causas) (HEWITSON, 2008).

Programa organizado de rastreamento: quem, quando e como 

O rastreamento de câncer colorretal deve ser realizado em todos  entre 50-75 anos (ou até que a expectativa de vida do paciente seja < 10 anos) (Grau de recomendação A pelo USPSTF)  com pesquisa de sangue oculto nas fezes a cada 2 anos (CTFPHC, 2016). Se resultado positivo você deve oferecer colonoscopia ou retossigmoidoscopia, e um hemograma para quantificar a perda sanguínea (SOF, 2009). Até 80% dos testes de pesquisa de sangue oculto nas fezes podem ser falso-positivos (BRASIL, 2010): hemorroidas, diverticulose,doença inflamatória intestinal (ACS, 2017). Para minimizar falso-positivos recomende coletar 3 amostras e realizar preparo: abster- se por 72h de anti-inflamatórios (ibuprofeno, diclofenaco, AAS etc.), carne vermelha, ovos, banana, espinafre, antiácidos, antidiarreicos, vitamina C (ACS, 2017; SOF, 2009).

Se ≥ 40 anos e 2 ou mais parentes de 1º grau com câncer colorretal em qualquer idade, ou 1 parente de 1o grau com câncer de cólon ou pólipos adenomatosos antes dos 60: solicite colonoscopia a cada 5 anos até os 75 anos (BMJ BEST PRACTICE, 2016a).

 

Por que rastrear?

O câncer de pulmão tem elevada mortalidade, sendo um dos mais agressivos, A sobrevida em 5 anos é em torno de 10-15%. O tabagismo é o responsável por 85-90% dos cânceres de pulmão. Outros fatores de risco são: exposição ambiental e ocupacional (sílica, asbesto, radônio, poluição do ar por motor à diesel, combustão do carvão) e tabagismo passivo (INCA, 2015).


Riscos de Sobrediagnóstico
O rastreamento com radiografias de tórax de rotina em pacientes fumantes assintomáticos não reduz mortalidade por câncer de pulmão (DEFFEBACH; HUMPHREY,2017). Tanto a radiografia de pulmão quanto a tomografia computadorizada de baixa dosagem (TCBD), que é mais sensível na identificação de cânceres de pulmão pequenos e assintomáticos, têm altas taxas de falso-positivos que levam a uma série de exames adicionais desnecessários. Além disso, não é custo efetivo, tanto pelo alto custo de sua implementação usando TCBD, quanto pelo custo dos diversos exames adicionais desnecessários para investigar resultados falso-positivos da TCBD (DEFFEBACH; HUMPHREY, 2017).
 
A melhor e única estratégia comprovada para reduzir a incidência e morte por câncer de pulmão é parar de fumar (DEFFEBACH; HUMPHREY, 2017). Não existem recomendações nacionais para o rastreio do câncer de pulmão.

 

A busca por exames de rotina é sempre uma oportunidade de aconselhar  que nenhum tratamento ou intervenção médica desbancou a prioridade que devemos dar a um estilo de vida saudável e equilibrado. Isso contribui para mudanças de comportamento, na prevenção primária de doenças e para promover maior ‘letramento em saúde’/’health literacy’, ou seja, aumentar o conhecimento e as habilidades do paciente para manutenção de sua saúde, incluindo o uso adequado dos serviços de saúde (RACGP, 2016). 

  • Ter uma dieta rica em frutas, vegetais e grãos integrais.
  • Evitar o fumo/ tabagismo; Reduzir o consumo de bebidas alcoólicas,
  • Manter-se ativo, praticar atividades físicas;
  • Proteger-se contra IST’s.
  • Manter um peso adequado;

Materiais de apoio para decisão compartilhada

Campanha multinacional para engajar e ajudar médicos e pacientes em diálogos sobre excessos diagnósticos e terapêuticos, colaborando para escolhas sábias em saúde. 

Informações escritas e revisadas por uma extensa rede de médicos e profissionais de saúde qualificados do Reino Unido

Divulgação de pesquisa de saúde para decisões compartilhadas baseadas em evidência por organização sem fins lucrativos dos EUA

Rede internacional que oferece ferramentas  para aumentar os conhecimentos em saúde e auxiliar na sua tomada de decisão.

Divulgação científica sem fins lucrativos por grupo de médicos que avaliam benefícios e danos de intervenções com base em evidências

Leituras recomendadas para profissionais de saúde

No início da década de 1990 surgiram “forças- tarefas” para analisar a qualidade dos estudos e oferecer recomendações para os serviços de saúde sobre a relevância de se adotar ou não medidas preventivas. A USPSTF e a CTFPHC oferecem recomendações baseadas em evidências direcionadas a profissionais da Atenção Primária à Saúde

Infelizmente há escassez de literatura científica sobre rastreamento no Brasil. O primeiro texto estruturado sobre o assunto que conhecemos é o Caderno de Atenção Primária nº 29 do Ministério da Saúde, sobre Rastreamento, que vale a pena ler ( http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/abcad29.pdf )

Um livro em português que contém um capítulo sobre o tema do Rastreamento de Doenças é : NORMAN, A. H.; TESSER, C.D,Rastreamento de doenças, in: Tratado de Medicina de Família e Comunidade: 2 Volumes: Princípios, Formação e Prática, Porto Alegre: Artmed Editora, 2012, p. 521–532.

Sobre mim

Me empenho para garantir uma medicina baseada em evidências e utilizar a medicina centrada na pessoa para fazer com que a ciência seja adequadamente aplicada à realidade das pessoas.

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