"Atenção ao presente, mamãe!"

A inquietação, a crítica, a sensibilidade… cada uma dessas, ao longo da vida, me deu uma malinha pesada para carregar. Por vezes, essa bagagem me adoeceu. Na infância e juventude, minha espontaneidade e coragem de desagradar me tornaram ativa, sempre à frente de movimentos sobre o que eu acreditava ser importante. Mas, ao adentrar a vida adulta, especialmente nos seis anos de faculdade de Medicina, fui intensamente confrontada com injustiças, desigualdades, e um mundo repleto de vaidade e disputa de ego. Tudo isso me pareceu impossível de digerir; a energia para lutar, aos poucos, me escapou.

Adoeci uma, duas, três vezes. Busquei cuidados médicos, mas esses foram insuficientes, ou, paradoxalmente, me adoeceram ainda mais com seus diagnósticos. Na tentativa de encontrar uma psicoterapia que coubesse no orçamento de uma estudante de classe média baixa, encontrei um centro de atendimento social que trabalhava com a psicologia bioenergética. Comecei com um ceticismo: afinal, o que é essa tal de “bioenergética”? Quais as bases científicas disso? Mas, com poucas opções, resolvi seguir.

Hoje, como médica, vivendo um contexto diferente e com mais escolhas à disposição, continuo nessa jornada de autoconhecimento guiada pela bioenergética, já há quase dez anos. Esse processo me reconectou ao olhar atento e questionador, à importância da espontaneidade e autenticidade, e à escuta do corpo — qualidades que vejo tão naturalmente na minha filha. As crianças já nascem com tudo isso; é algo que pulsa nelas, como uma chama viva. E nossa missão, como adultos, é proteger essa chama, não deixá-la apagar.

Por que, então, a sociedade se apressa em moldar, em podar essas características, tornando a jornada de reconexão tão árdua mais tarde? Hoje entendo que aquilo que, um dia, eu via como “peso” era, na verdade, um lembrete para desacelerar, estar presente e atenta ao caminho. Minha filha, sem dizer uma palavra, me ensina isso todos os dias: “Atenção ao presente, mamãe!”

Inspirada pela minha última sessão de terapia, senti o desejo de deixar essa sementinha por aqui. Que a busca pelo autoconhecimento seja também um resgate do nosso olhar de principiante. Que possamos usar os recursos emocionais que adquirimos na vida adulta para cuidar não só das nossas crianças interiores, mas das crianças do nosso mundo, preservando nelas a espontaneidade, autenticidade e curiosidade tão preciosas. Hoje, minha terapeuta me disse: “Seu chão está pronto; é hora de sambar sobre ele!” Então, vamos fazer esse samba. Feliz Dia das Crianças!

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