Febre em Criança

A febre é uma das causas mais comuns de busca de pronto atendimento para crianças. Entretanto, se trata de uma condição fisiológica que o organismo mobiliza a fim de aumentar a eficácia dos mecanismos de defesa, sem nenhuma evidência de que represente ameaça a uma criança saudável, exceto em valores como >41,7ºC.  Já a “Febrefobia”, como definido pelo pediatra Barton Schmitt em 1980, apresenta consequências negativas como o uso excessivo dos serviços de saúde e o emprego intempestivo de antitérmicos. Neste cenário, todo profissional de saúde tem responsabilidade de orientar os benefícios conhecidos da febre e informar que o manejo da criança febril não deve ser focado na redução da temperatura, mas principalmente na observação dos sinais e sintomas de gravidade e no incentivo de ingestão adequada de líquidos.

Temperatura Habitual e Suas Variações

A temperatura habitual varia de pessoa para pessoa e sofre oscilações em um mesmo indivíduo na presença de estresse, excesso de vestuário ou após uma refeição, por exemplo. A temperatura habitual, quando medida no reto situa-se ao redor de 37ºC, na cavidade oral é 0,6ºC mais baixa que a retal e a axilar é até 1ºC mais baixa do que a temperatura retal.

Como medir a temperatura

Mercúrio em vidro, eletrônico, de cristais líquidos e infravermelho. Apesar do grande número de dispositivos desenvolvidos nos últimos anos, ainda existem controvérsias sobre o melhor equipamento e o melhor local para medir a temperatura corporal.

Quando é Febre?

Na prática, considera-se febre quando a temperatura retal estiver acima de 38 °C, a oral, acima de 37,5 °C, e a axilar, acima de 37,2 °C, sendo que, em relação à temperatura axilar, a febre é considerada baixa quando estiver entre 37,2 e 38,5 °C, moderada entre 38,5 e 39,5 °C, alta entre 39,5 e 40,5 °C e muito alta quando for superior a 40,5 °C. Lembrando que o grau da febre nem sempre se correlaciona com a gravidade da doença.

Avaliação da Criança com Febre

A causa mais comum de febre em crianças é infecção benigna localizada, em sua maioria de origem viral. Entretanto, a presença de alguns sinais indicam doença grave e necessitam de encaminhamento imediato ao hospital.  Para quantificar o risco de doença grave são utilizadas escalas como a escala de observação clínica de Yale (EOCY) para > 60 dias e o Sistema de Semáforo para crianças < 5 anos. Na prática, são úteis para distinguir as crianças toxêmicas das não toxêmicas por aspectos clínicos. 

Toda criança febril com aspecto toxêmico (com sinais gerais de perigo) deve ser submetida à avaliação para sepse, independentemente de qualquer protocolo, devendo ser encaminhada de imediato ao hospital para investigação e início de antibioticoterapia.

Sinais de localização do diagnóstico

A maioria das crianças apresenta sinais da causa da febre na anamnese e/ou exame físico, mas em 20% das crianças com idade < 3 anos não é possível identificar a etiologia da febre.  Muitas doenças infecciosas apresentam período prodrômico de 24 a 72horas, em que o único sinal é febre mas também é necessário fazer a distinção entre “Febre sem sinais localizatórios” e “Febre de origem obscura”. Nesse cenário, a avaliação ideal deve discriminar as crianças que precisam de intervenção imediata das que podem ser submetidas à conduta expectante.

Para uma avaliação mais objetiva, foram desenvolvidos escores e escalas que procuram identificar crianças com doenças bacterianas graves, através da avaliação clínica aliada a dados laboratoriais.

Toda criança com menos de 28 dias de vida e com febre deve ser encaminhada ao hospital, independentemente da aparência clínica, a fim de ser submetida à avaliação para sepse e receber antibioticoterapia empírica para possível sepse ou meningite, enquanto aguarda os culturais. Na faixa etária de 28 a 90 dias, o risco de infecção bacteriana é menor, com exceção das infecções do trato urinário, sendo necessária avaliação laboratorial.

Os Critérios de Rochester são utilizados para identificação de lactentes com infecção grave com idade < 90 dias.

A avaliação e o manejo da febre sem foco em crianças dessa faixa etária diferem de acordo com a situação vacinal.

As crianças não toxêmicas e com temperatura axilar < 38,6 °C não necessitam de avaliação laboratorial ou antibioticoterapia, independentemente da situação vacinal. Devem receber antipiréticos e ser reavaliadas em qualquer momento se houver deterioração clínica ou em 24 a 48 horas.

Não existem protocolos específicos para investigação e tratamento de crianças febris na faixa etária entre 36 meses e 5 anos. No entanto, os sinais de risco são os mesmos citados para crianças de até 36 meses. Em crianças na faixa etária de 3 a 5 anos, as manifestações clínicas costumam ser mais localizadas e o manejo deve ser individualizado.

Tratamento

A tradição de que a febre em si deveria ser o foco de tratamento prevaleceu até meados do século passado desprovida de qualquer fundamentação científica. Hoje há um acúmulo de evidências contraindicando a administração automática de fármacos antipiréticos a crianças que não estejam se queixando de desconforto significativo. O foco do manejo da criança febril deve ser a hidratação adequada e, quando indicado, a febre pode ser reduzida com uso de antipiréticos e/ou resfriamento externo.
O antipirético mais usado é o paracetamol, cujo pico de concentração sérica e do efeito antipirético ocorre em 10 a 60 minutos. 
O ibuprofeno, um anti-inflamatório não esteroidal, é superior no controle da febre em relação ao paracetamol mas ambos têm efeitos analgésicos semelhantes.

O ácido acetilsalicílico não é mais recomendado para redução da febre, pela importância de seus paraefeitos, como broncospasmo, úlceras e sangramento gástrico, nefrite intersticial e inibição da agregação plaquetária. Na presença de infecção por influenzavírus ou vírus da varicela-zóster, pode causar síndrome de Reye.70 Está formalmente contraindicado na suspeita de dengue.

 

O resfriamento externo pode reduzir efetivamente a temperatura em lactentes e crianças pequenas de forma rápida mas fugaz, com efeito que não ultrapassa 30 minutos. Esse resfriamento é o tratamento de escolha na hipetermia induzida pelo calor como insolação e intermação. Contudo, em qualquer situação, o resfriamento externo causa desconforto, principalmente se for feito com água fria ou álcool. Além de causarem desconforto, podem acarretar irritação da pele e intoxicação alcoólica, sendo, por isso, contraindicadas em crianças.

 

Dra Melissa Galvão se formou em Medicina na Universidade Federal de Pernambuco e atualmente é residente de Medicina de Família e Comunidade na Universidade de Pernambuco. Tem experiência em emergências, enfermarias e unidades de terapia intensiva de hospitais públicos e privados.

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